25 de set. de 2009

Os Contos Desconexos dos Descontos do Sexo.


Um sobrado de paredes brancas encardidas, às janelas, jardineiras guardam violetas murchas e tristes. As mesmas janelas, fechadas, criam a escuridão e o clima pútrido das salas empoeiradas com incontáveis jornais entulhados que mostram notícias frias. A cozinha sem asseio, louças sujas na pia. No segundo andar, uma estante mostra livros nunca lidos, uma capricho sem sentido. A cama de casal tem apenas um lado – o esquerdo – desarrumado. O amargor da solidão queimava em sua língua.

MR

19 de jul. de 2009

Seu cheiro e som na minha existência oculta.



  • O baque surdo de seus saltos batendo no chão da cozinha me acordou. Ouvi enquanto enchia um copo, provavelmente de água gelada, sua preferência. Deve ter tirado as botas enquanto deliciava-se com o insípido líquido, pois ao entrar no quarto, seu andar era silencioso. Parou em frente ao espelho, colocou as mãos por baixo do vestido e desceu a meia calça até os tornozelos, quando a puxou pela ponta, primeiro a esquerda, depois a direita. Esticou-a e dobrou-a enquanto dirigia-se até o guarda-roupa, onde guardou a meia na primeira gaveta.
  • Parou por um instante, pegou o creme e pôs um pouco na mão, o cheio de lavanda invadindo minhas saudosas narinas, levantando novamente o vestido e espalhando-o pelas nádegas, coxas, joelho, e finalmente, tornozelo. Repetiu a operação na outra perna, então esfregou as mãos e passou-as pelo pescoço e nuca completamente visíveis e dolorosamente tentadores, devido ao alto rabo de cavalo de onde pendiam seus cabelos tingidos em forma de espiral.
  • Finalmente, desceu o zíper e tirou o vestido, ficando apenas de calcinha. Uma calcinha normal, branca, nem grande nem pequena, somente o que se espera de uma calcinha. Os seios não eram grandes nem pequenos, comuns, apenas o que se espera de seios. Caminhou até o espelho, desamarrando o cabelo e ajeitando-o com a mão, talvez com esperança de que acordasse menos bagunçado. Caminhou até a cama, onde se deitou ao meu lado - o cheiro de seus cabelos me enlouquecendo – sem tomar conhecimento de minha existência.
MR

6 de jun. de 2009

Protótipos da Reciclagem Intelectual.



“Quando não sabem que você comporta-se ironicamente, quem fica como idiota é você”.

  • Por muito, foi irônica. Uma insistente criança de 13 anos, preocupada em afirmar seu lugar em um grupo (assim como todas as outras crianças de 13, 14, 15, 30 anos), usando expressões desconhecidas aos demais “coleguinhas”, com um humor ácido que os desconcertava e que comumente levava à um dos maiores problemas em ser irônico: “Quando não sabem que você comporta-se ironicamente, quem fica como idiota é você”.
  • Claro que seu círculo de amizades, pouco acostumado com tal comportamento, não aprovou, afinal de contas, ninguém gosta de ser feito de bobo. Acontece que ela já tinha gosto pelo coisa e, para seu azar, levava jeito. Mas o mundo dá voltas e algum tempo depois, ser irônico virou tendência e todos aqueles que reprovaram seu comportamento, agiam como ela.
  • Não era de seu feitio assentar e assistir seu charme se popularizar, já que além do Mal da Ironia, também havia sido acometida pela Síndrome Underground. Optou por algo mais classudo, o sarcasmo. Ao contrário da ironia, que é uma ofensa aberta e dirigida, ao usar do sarcasmo, sua vítima muitas vezes nem sabe que é uma vítima. Com comentários suaves e aparentemente aéreos, ria só.
  • Em pouquíssimo tempo, todos já sabiam quando eram vítimas e claro, pagavam na mesma moeda. Mas outro fator era mais letal a sua saúde, ser underground virou moda, por mais paradoxal que pareça, realmente aconteceu. Cansada de correr e mudar, passou a fingir que odiava rótulos, ouvindo Strokes enquanto se arrumava para micareta, fazendo o que bem entendia desde que a divertisse, era o seu mantra e lema. Agora era cínica.
MR


26 de mai. de 2009

Asmai-vos Uns Aos Outros.



A Asma não torna a vida difícil, se fores judeu ou alpinista.


  • Existem, segundo a óptica Greco-Marxista, duas maneiras de ser bem azarado na vida. A primeira e mais frequente, é ser judeu, parecer judeu ou conhecer mais de 20 judeus. Outra maneira infeliz de se viver é possuir Asma. Uma das atividades mais simplórias e pouco notadas é respirar, que tragédia é então, não poder fazê-la com conforto e elegância.
  • A Asma é a terceira maior causa de internamento no SUS do Brasil, cerca de 2,5% do total de internações, atrás apenas das pneumonias e insuficiência cardíaca congestiva e doenças renais. Porém, hão de se alegrar os asmáticos de plantão. A doença azucrina e azucrinava centenas de personalidades de destaque de todos os tempos e tipos.
  • Os compositores Beethoven e Vivaldi, por exemplo, provavelmente passaram por momentos sufocantes na ausência de uma sofisticada bombinha para Asma. Ainda no mundo musical, o rockstar Alice Cooper tirava o fôlego dos fãs com suas apresentações ao vivo, frequentemente teatrais e violentas, cheias de maquiagem, cadeiras elétricas, cabeças decapitadas artificias, guilhotinas, forcas e sangue falso, além do própio fôlego.
  • Personagens da Guerra Fria como o presidente Kennedy e o revolucionário Ernesto Che Guevara dividiam a atenção da URSS e do mundo sob um ofegante semblante. Por falar em política e em Rússia, Theodore Roosevelt e o czar Pedro, o Grande eram asmáticos também. Até mesmo figuras simpáticas do naipe de Galileu Galilei, Dalai Lama, Michele Obama e Charles Chaplin valorizam ou valorizariam uma bombinha para emergências.
  • Ao deparar-se com uma constrangedora situação lhe causada pela Asma, lembre-se que grandes feitos realizaram-se junto a desritmada respiração de importantes personagens. Note que nenhum deles era judeu, pois seria completo azar, o que comprova: Para ser judeu, tem que ter fôlego.
BC